quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Dias que se fizeram assim #14




É rara a semana que não contemple uma ida ao supermercado. Gosto de fazer as compras sem pressas. Começar pelos sector dos livros e revistas, folhear, passear no meio dos expositores, ver as novidades, namorar velhos conhecidos e suspirar por não os poder levar a todos para casa. Depois, cirandar de cesto na mão, recolher o que preciso, comparar preços, definir prioridades. Não há visita ao supermercado completa sem a passagem quase obrigatória pelo sector dos chocolates. Nem que seja só para cheirar e partir sem nenhum, rumo à caixa, comigo. Mas, confesso, é caso raro que nos sacos não venha pelo menos um chocolate. Preferências? São tantas que me perderia agora em marcas e variantes. Pena que as que mais gosto tenham preços menos convidativos, confinando a sua escolha para dias de absoluta necessidade chocodependente (eu falo por mim!). Como diz o outro, a pura da loucura. E a carteira é que paga.
Há dias, numa conhecida superfície comercial, estava há uns largos minutos plantada em frente a uma prateleira de chocolatinhos todos repimpados e enfileirados. Deve ter alturas em que devo parecer uma tola, ali especada, a contemplar toda aquela profusão de variedades, cores e promessas de texturas. Eu e chocolate somos um caso muito sério. Mesmo. Após uma longa luta de neurónios sobre qual o exemplar a eleger, decidi-me por este da foto. Desta marca, é dos meus favoritos.
Já em casa, compras arrumadas, pego no chocolate e as memórias chegam-me nítidas pela embalagem, pelo sabor. Pela simples palavra que dá nome à marca. Vejo-me de novo numa segunda-feira de um qualquer ano, de um qualquer mês desses das férias, quando elas ainda eram realmente grandes. Madrugada fora, avançando lentamente na estrada, rumo a Matosinhos, com o intuito de abastecer o stock de congelados. Ao roncar da carrinha grande juntava-se a companhia da Renascença. Ouvia-se o jogo da mala e a voz do António Sala. O dia espreguiçava-se nas sombras. Era cedo, imensamente cedo. Horas impróprias para a criança que eu era naquela altura. Mas eu gostava dessa aventura de madrugar (sou noite desde cedo, afinal) e lá ia, de olhos bem abertos, o fresco da manhã a entrar pela frincha do vidro. De vez em quando, falava o meu pai quando a estrada dava descanso. Depois, eram os aviões que nunca via ao passar no aeroporto, a ponte móvel que já nessa altura me tolhia de medo, aquela profusão de contentores e enormes braços de ferro indispensáveis à estiva no porto de Leixões. Por fim, a lota, o mar a entrar por ela dentro, as sardinhas ainda a contorcerem-se nos cestos, a confusão, as gaivotas a pairarem prontas a roubar o seu quinhão. Abastecer de gelo, sair e logo em frente, carregar os congelados.
Eu ficava dentro da carrinha a apreciar aquele bulício, o vaivém das gentes do mar, as suas feições marcadas pelo sol, pelo vento e pelo sal. Até que alguém me chamava e abraçava efusivamente. Hoje sei que era a reacção perfeita de quem fica, genuinamente, contente por nos ver. Pegava-me pela mão e levava-me ao café mesmo ao lado do seu armazém de congelados. Recheava-me as mãos pequenitas de chocolates Jubileu.
O senhor Pimenta já não está entre nós. Em mim será, para sempre, uma doce memória.

2 comentários: