Há qualquer coisa neles que me fascina. Que me faz perder a racionalidade. Com o meu, os dos outros e os de ninguém. Não há gato com que me cruze que não me aqueça o coração. Que não me arranque sorrisos e ternuras. E, sempre que possível, lá vou eu de mão solta e palavras meigas, nivelando a minha altura para me elevar à sua condição. Se,
por mero acaso, alguém presenciar o momento e soltar o costumeiro "olha
que o bicho pode ter doenças!", é certo, sabido e sem esforço que é
brindado com um olhar reprovador ao bom estilo "doenças tens tu e é,
certamente, na cabeça!".
Os gatos são senhores do tempo. Possuem, como mais nenhum outro ser, o dom do
usufruto pleno do momento. Seja nas regaladas sonecas, no repouso sob o
calor do sol, nas aprimoradas sessões de alindamento (e quanto brio,
Deus meu!), nas fugas nocturnas ou nas brincadeiras e piruetas que uma
simples folha varrida pelo vento lhes arranca.
O gato é fiel, mas nunca subserviente. É folgazão, para no momento a
seguir pedinchar colo para dar carinho. É adepto do paparico, porque é a
sua maneira de devolver o que pede. Mestre na arte do ócio e da
contemplação, em geral. Bon vivant, passeia-se cheio de garbo, sempre
feitio, nunca defeito: é da sua natureza. Reconhece-nos, humanos, como
seres superiores em dimensão, mas iguais em estatuto. Fica porque quer,
porque gosta, porque se sente em casa e seu membro pleno. É amigo em
estado puro, mais racional que os ditos "racionais".
Não é companhia para qualquer um. Há que enterder-lhe os meneios, os
jeitos e o carácter. Talvez, advogo, ter índole de gato na alma. Levar
em nós o muito que neles admiramos.