terça-feira, 30 de abril de 2013

Conta-me uma história #1


Não havia vento, não havia o mínimo som. Nem sequer uma ave quebrava o impávido azul celeste. Nada se agitava no mais pequeno sinal de vida. Mas ele, ainda que com os pensamentos toldados pelo desespero e pela exaustão, não pode deixar de reflectir que a existência de vida naquele lugar significaria, para si, morte iminente. Um perigo do qual não sabia se podia (ou queria) escapar.
Caminhava sem sentido, vergado à inclemência do deserto. Horas antes despira a camisa que levava por cima da t-shirt e com ela fizera uma espécie de turbante. O sol devorava-lhe a pele sem piedade. De tal forma que sentia que a qualquer momento entraria em combustão, qual fósforo prestes a entrar em contacto com a superfície granulosa que o incendiaria. Há muito que percebera que estava perdido. Há horas que nada mais via do que o alaranjado da areia estender-se infinitamente até alcançar o céu, numa monotonia irritantemente irritante e assustadora.
A custo, principiou a escalada de mais uma pequena montanha de areia. Olhou os seus braços vermelhos, quase incandescentes. Gostas de suor rebolaram-lhe testa abaixo. Água. O que não daria agora por um mero copo de água, por uma sombra fresca. Por um sítio onde pudesse descansar. Intentou humedecer os lábios gretados com a língua, infrutiferamente. A canícula há muito que lhe revolvia as entranhas. Deixou-se cair sobre a areia e olhou para a distância que tinha percorrido. Uma enorme mancha laranja revolta em ondas fantasmagóricas de calor que dela pareciam despontar.
Forçou-se a descer o monte movediço de finos grãos. Sem saber bem porquê, mas sem discernimento para encontrar um motivo. Reparou que lá ao fundo a paisagem mudava. Não era, contudo, a ideia concebida que tinha de um oásis. Ainda que distante, conseguia perceber que aquele pequeno ponto esverdeado estava, também, a morrer. O esqueleto ressequido da árvore parecia pronto a abraçá-lo no seu destino. Encostou-se a ele e escorregou pelo tronco abaixo, vencido. Já não acreditava que o viessem salvar. Martirizava-se pelo seu acto irreflectido. De olhos fechados, relembrava o começo daquela viagem. As férias exóticas que sempre sonhara, a pausa merecida na absorvente carreira de informático, o voo, as dançarinas ondeantes e sensuais, as ruas caóticas, a viagem ao deserto. Se pudesse voltar atrás… Afastara-se ligeiramente do grupo, depois um pouco mais. Convencera-se que bastava voltar para trás em linha recta e nada lhe aconteceria. E, quando se apercebeu, o deserto tinha-o engolido na sua imensidão.
Um ponto negro agitou-se à sua frente, sulcando a areia para desaparecer. As máquinas eram bem mais espertas do que os homens, pensou num misto de lucidez e delírio. Se algo corresse mal, limitavam-se a informar que o sistema operativo tinha encontrado um erro e que o programa seria encerrado. Assim, sem apelo nem agravo. Na vida, cada acto suportava a sua consequência. Não dava para encerrar o momento. Ele bem gostava que isso fosse possível agora. Interromper, simplesmente, aquele pesadelo vivo e enviar o relatório de erros. Mas não havia nada, nem ninguém, disposto a resolvê-lo.


(Pequeno conto de autoria própria.)

2 comentários:

  1. Opaaaahhhhhhh. Tão bom ler, tanto tempo depois, um novo texto teu. Muito bem escrito e descrito, numa temática extremamente bem explanada. Adorei. :D

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  2. Sílvia (lotrefcp), o texto é novidade aqui, mas já é antigo.
    É um reposting, na verdade.
    Bjs e obrigada.

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