É rara a semana que não contemple uma ida ao
supermercado. Gosto de fazer as compras sem pressas. Começar pelos
sector dos livros e revistas, folhear, passear no meio dos expositores,
ver as novidades, namorar velhos conhecidos e suspirar por não os poder
levar a todos para casa. Depois, cirandar de cesto na mão, recolher o
que preciso, comparar preços, definir prioridades. Não há visita ao
supermercado completa sem a passagem quase obrigatória pelo sector dos
chocolates. Nem que seja só para cheirar e partir sem nenhum, rumo à
caixa, comigo. Mas, confesso, é caso raro que nos sacos não venha pelo
menos um chocolate. Preferências? São tantas que me perderia agora em
marcas e variantes. Pena que as que mais
gosto tenham preços menos convidativos, confinando a sua escolha para
dias de absoluta necessidade chocodependente (eu falo por mim!). Como
diz o outro, a pura da loucura. E a carteira é que paga.
Há dias,
numa conhecida superfície comercial, estava há uns largos minutos
plantada em frente a uma prateleira de chocolatinhos todos repimpados e
enfileirados. Deve ter alturas em que devo parecer uma tola, ali especada,
a contemplar toda aquela profusão de variedades, cores e promessas de
texturas. Eu e chocolate somos um caso muito sério. Mesmo. Após uma longa
luta de neurónios sobre qual o exemplar a eleger, decidi-me por este da
foto. Desta marca, é dos meus favoritos.
Já em casa, compras
arrumadas, pego no chocolate e as memórias chegam-me nítidas pela
embalagem, pelo sabor. Pela simples palavra que dá nome à marca. Vejo-me de novo numa segunda-feira de um qualquer ano, de um qualquer
mês desses das férias, quando elas ainda eram realmente grandes.
Madrugada fora, avançando lentamente na estrada, rumo a Matosinhos, com o
intuito de abastecer o stock de congelados. Ao roncar da carrinha grande
juntava-se a companhia da Renascença. Ouvia-se o jogo da mala e a voz
do António Sala. O dia espreguiçava-se nas sombras. Era cedo,
imensamente cedo. Horas impróprias para a criança que eu era naquela
altura. Mas eu gostava dessa aventura de madrugar (sou noite desde cedo,
afinal) e lá ia, de olhos bem abertos, o fresco da manhã a entrar pela
frincha do vidro. De vez em quando, falava o meu pai quando a estrada
dava descanso. Depois, eram os aviões que nunca via ao passar no
aeroporto, a ponte móvel que já nessa altura me tolhia de medo, aquela
profusão de contentores e enormes braços de ferro indispensáveis à
estiva no porto de Leixões. Por fim, a lota, o mar a entrar por ela
dentro, as sardinhas ainda a contorcerem-se nos cestos, a confusão, as
gaivotas a pairarem prontas a roubar o seu quinhão. Abastecer de gelo,
sair e logo em frente, carregar os congelados.
Eu ficava dentro
da carrinha a apreciar aquele bulício, o vaivém das gentes do mar, as
suas feições marcadas pelo sol, pelo vento e pelo sal. Até que alguém
me chamava e abraçava efusivamente. Hoje sei que era a reacção perfeita
de quem fica, genuinamente, contente por nos ver. Pegava-me pela mão e
levava-me ao café mesmo ao lado do seu armazém de congelados.
Recheava-me as mãos pequenitas de chocolates Jubileu.
O senhor Pimenta já não está entre nós. Em mim será, para sempre, uma doce memória.